sexta-feira, 31 de agosto de 2007

Relação de Consumo 2


Práticas comerciais abusivas

a) Serviços de telefonia

Uma situação que ocorre comumente no mercado de consumo, e que a jurisprudência do STJ já identificou como prática abusiva, insere-se na cobrança de valores decorrentes dos serviços denominados de 0900, e especificamente em relação ao chamado "tele-sexo".

São veiculadas publicidades na televisão, muitas vezes com o objetivo de persuadir, de forma clandestina, crianças e adolescentes a ligarem para esses serviços.

Os pais, posteriormente, recebem a conta de telefone com valores exorbitantes, causando um enriquecimento indevido dos prestadores desses serviços.

Atento à realidade, o STJ já decidiu que, para a cobrança desses valores, é necessária a prévia solicitação (ou aceitação) por parte do titular da linha telefônica, pois o CDC, em seu art. 39, III, veda ao fornecedor de produtos ou serviços "enviar ou entregar ao consumidor, sem solicitação prévia, qualquer produto, ou fornecer qualquer serviço".

Os precedentes:

"CONSUMIDOR - SERVIÇOS DE "900" - "DISQUE PRAZER" - COBRANÇA - NECESSIDADE DE PRÉVIA SOLICITAÇÃO - CDC, ART. 39, III.

- A cobrança de serviço de "900 - disque prazer" sem a prévia solicitação do consumidor constitui prática abusiva (CDC, art. 39, III). Se prestado, sem o pedido anterior, tal serviço equipara-se às amostras grátis, inexistindo obrigação de pagamento (CDC, art. 39, parágrafo único).

- Recurso provido." (REsp 318.372/SP, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ: 17/5/2004)

"TELEFONE. SERVIÇO "900". "Disque prazer". Código de Defesa do Consumidor.

O serviço "900" é oneroso e somente pode ser fornecido mediante prévia solicitação do titular da linha telefônica.

Recurso conhecido e provido." (REsp 258.156/SP, Rel. Min. Ruy Rosado, DJ: 21/09/2000)

b) Cadastros de inadimplentes

b.1) Indevida inclusão ou manutenção de nome e indenização por danos morais

Sem embargo do importante papel exercido pelos bancos de dados de maus consumidores (Ex: SPC, Serasa), algumas práticas relacionadas com esses serviços já foram consideradas abusivas pelo CDC, principalmente em relação aos fornecedores que enviam os nomes dos consumidores.

Imaginemos a situação na qual o consumidor paga pontualmente todas as prestações mensais que lhe foram incumbidas, mas, mesmo assim, o fornecedor envia o nome do consumidor para algum cadastro de inadimplentes. Ou, a situação na qual o consumidor, inadimplente, quita suas dívidas, mas o fornecedor se omite durante meses na retirada do nome dele de cadastros de inadimplentes.

Perante essas situações, o STJ firmou o entendimento de que: da indevida inclusão (ou manutenção) de nome de consumidor em cadastro de inadimplentes existe a presunção de um dano moral indenizável, ou seja, o consumidor não precisa fazer a prova de que houve abalo à sua honra ou reputação para conseguir indenização, pois a existência de dano, nessas situações, é presumida (dentre outros: REsp 419.365/MT, de minha relatoria, DJ: 11/11/2002; e REsp 432.177/SC, Rel. Min. Aldir Passarinho, DJ: 28/10/2003).

b.2) Discussão judicial do débito e cadastro de inadimplentes

No julgamento do REsp n. 527.618/RS, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, a 2ª Seção do STJ pacificou o entendimento de que a restrição à inclusão ou manutenção do nome de devedor em cadastros de inadimplentes exige, necessária e concomitantemente, a presença dos seguintes requisitos:

a) que haja ação proposta pelo devedor discutindo a existência integral ou parcial do débito;

b) que haja efetiva demonstração de que as alegações estão amparadas na aparência do bom direito e em jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça;

c) sendo a discussão relativa a apenas parte do débito, que o devedor deposite o valor referente à parte tida por incontroversa, ou preste caução idônea, ao prudente arbítrio do magistrado.


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Cláusulas abusivas

a) Plano e seguro de saúde

A Lei 9.656/98 veio a estabelecer várias regras a respeito dos contratos de plano e seguro de saúde.

Na atualidade, esses contratos podem ser divididos em duas espécies (com dois diferentes regimes jurídicos): aqueles que foram firmados antes da vigência da Lei 9.656/98, e os que foram firmados após.

Essa lei trouxe vários avanços para os consumidores desses serviços. Registre-se que alguns desses avanços foram conquistas da jurisprudência, posteriormente incorporados pela lei.

Em situação mais delicada estão aqueles contratos firmados antes da vigência dessa lei.

Quanto a estes, o STJ recentemente editou a Súmula 302: "É abusiva a cláusula contratual de plano de saúde que limita no tempo a internação hospitalar do segurado."

Outro tema interessante foi apreciado pela a 3ª Turma do STJ recentemente. O consumidor afirmou que mudou de plano de saúde, pois a nova operadora de plano de saúde, por meio do corretor, havia lhe informado que o tempo de carência já cumprido no contrato anterior, seria aproveitado no novo contrato.

Sucedeu que o consumidor precisou utilizar os serviços do novo plano de saúde, o que foi negado pela operadora sob o argumento de que não havia transcorrido o período de carência.

O consumidor propôs uma ação em juízo, para obter a condenação da operadora ao pagamento das despesas médico-hospitalares que teve, e pleiteou a produção de prova testemunhal para comprovar o alegado.

Contudo, tanto o Juiz quanto o Tribunal de Justiça negaram a produção da prova, sob o argumento de que essa "alteração contratual" somente poderia ser comprovada por meio de prova escrita.

No STJ, em acórdão de minha relatoria, a 3ª Turma, com fundamento, entre outros, no art. 30 do CDC ("Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado"), deu provimento ao recurso especial interposto em favor do consumidor. Veja-se a ementa:

"Sob a égide do Código de Defesa do Consumidor, as informações prestadas por corretor a respeito de contrato de seguro-saúde (ou plano de saúde) integram o contrato que vier a ser celebrado e podem ser comprovadas por todos os meios probatórios admitidos.

Recurso especial parcialmente conhecido e provido." (REsp 531.281, DJ: 23/8/2004)

b) Multa moratória superior a 2%

Recentemente, o STJ solucionou uma polêmica existente sobre o limite da multa moratória de 2% prevista no § 1º do art. 52 do CDC (com a redação dada pela da Lei 9.298/96).

A polêmica estava em saber se esse limite se aplicava apenas aos contratos que envolvessem outorga de crédito ou concessão de financiamento, pois o caput do art. 52 do CDC dispõe sobre esses contratos.

No julgamento do REsp 476.649 (DJ:25/2/2004, unânime), afirmei que a interpretação do § 1º do art. 52 do CDC não poderia ficar presa à sua mera posição topológica em detrimento da uma interpretação sistemática e teleológica, e que, de toda forma, o Juiz poderia, com fundamento nos arts. 6º, V, e 51, IV e XV do CDC, utilizar o percentual de 2% como parâmetro para estabelecer o necessário equilíbrio entre os contratantes.

O julgamento foi assim ementado:

"Consumidor. Contrato de prestações de serviços educacionais. Mensalidades escolares. Multa moratória de 10% limitada em 2%. Art. 52, § 1º, do CDC. Aplicabilidade. Interpretação sistemática e teleológica. Eqüidade. Função social do contrato.

- É aplicável aos contratos de prestações de serviços educacionais o limite de 2% para a multa moratória, em harmonia com o disposto no § 1º do art. 52, § 1º, do CDC.

Recurso especial não conhecido."

c) Contratos bancários

c.1) Aplicabilidade do CDC

Inicialmente, ressalte-se que foi sumulado o entendimento de que "O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras" (Súmula 297/STJ).

Realmente, o CDC é expresso quanto à inclusão dos serviços bancários sob a sua égide (§ 2º do art. 3º) e, por ser lei principiológica, o CDC será aplicado sempre que houver uma relação de consumo, exista ou não uma lei específica que cuide do negócio jurídico.

c.2) Da abusividade da cláusula que estabelece taxa de juros

Admitida a aplicação do CDC aos contratos bancários, o STJ também já posicionou sobre a possibilidade de declaração de abusividade da cláusula que dispõe a respeito da taxa de juros.

Segundo a jurisprudência atualmente dominante na a 2ª Seção do STJ, a cláusula que estabelece juros em contrato bancário poder ser considerada abusiva em duas situações: a) se, no contrato celebrado, a taxa comprovadamente discrepar, "de modo substancial, da média do mercado na praça do empréstimo, salvo se justificada pelo risco da operação" (REsp’s 407.097/RS e 420.111/RS, Rel. p/ acórdão Min. Ari Pargendler, DJ:29/9/2003); ou b) "diante de uma demonstração cabal da excessividade do lucro da intermediação financeira, da margem do banco, um dos componentes do spread bancário, ou de desequilíbrio contratual" (REsp 271.214/RS, Rel. p/ acórdão Min. Menezes Direito, DJ: 4/8/2003).

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